E o voto vai para…
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Em 2002 votei pela primeira vez para presidente. Votei Lula, no primeiro e no segundo turnos. Uma das coisas que me levou a isso foi a Carta ao Povo Brasileiro. Entre outras coisas, essa carta se comprometia com o tripé econômico e dizia: “A estabilidade, o controle das contas públicas e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros.”
E assim foi. No seu primeiro mandato, Lula intensificou a adesão ao tripé e puxou a meta de inflação para baixo, para os atuais 4,5%. Colocou no Banco Central um deputado do PSDB que tinha grande experiência em grandes bancos e no Ministério da Fazenda uma pessoa distanciada do ideário mais tradicional do petismo: Antônio Palocci.
É muito interessante ler o livro do Palocci, Sobre formigas e cigarras, que conta a história dos embates na eleição, do período de transição dos governos e as discussões que houve entre ele, Dirceu e Lula, principalmente em relação à meta de inflação. Ele relata uma conversa em que Lula bateu o pé de que os 5% propostos eram demais, que ele sabia o quanto a inflação é ruim para o trabalhador, e que só aceitava 4%, mesmo sabendo do custo de ajuste necessário – a inflação estava em 17% no acumulado de 12 meses. Só aceitou 4,5% a contragosto. Fico curioso pra saber o que ele acha da meta de-facto de hoje, que tá mais pra 6%.
Em 2006 e 2010 eu não tinha candidato. Eu gostava cada vez menos do governo Lula, por vários motivos: cada vez mais forças conservadoras ganharam espaço, a política para telecomunicações foi muito voltada para atender às teles e pouco a criar um ambiente que trouxesse vantagens para o consumidor. O teórico apoio à liberdade de software se mostrou uma política amadora e sem respaldo real.
Algumas políticas muito interessantes como a dos biocombustíveis começavam a ser deixadas de lado pelo descobrimento do pré-sal. Eu também achava a política externa muito absurda, com Lula fazendo afagos ao então presidente do Irã Ahmadinejad. A construção de Belo Monte, que eu apoio, acontecia a qualquer custo, sem que condicionantes fossem cumpridas.
Foram algumas dessas coisas que me levaram a votar em Cristovam Buarque no primeiro turno em 2006, uma forma de expressar meu descontentamento e também de marcar posição, apoiado no forte discurso que prioriza a educação. No segundo turno votei em Lula, porque achava que Alckmin era uma piora para o país: uma pessoa autoritária e conservadora.
Mas o pior começou quando Dilma ganhou preponderância no governo, foi a partir disso que muitos dos problemas que eu via começaram. Não tinha dúvidas, em 2010, a respeito do que Dilma pensava em várias questões que me são caras. A política de escolher a dedo campeões nacionais e dar a eles uma grande vantagem através de crédito subsidiado via BNDES, que hoje tem sido chamada de bolsa empresário, é uma das que me irrita particularmente.
Não queria Dilma. Mas, de novo, não votaria em Serra. Daí procurei um candidato que substituísse Cristovam e comecei a investigar Marina. Marina me parecia uma candidata monotemática, focada exclusivamente em meio ambiente, além de ser religiosa, o que sempre levanta em mim uma certa preocupação. Mas quanto mais lia, assistia a entrevistas e conhecia, mais essas pré-concepções iam se erodindo.
Aí encontrei no discurso da Marina algo em que eu realmente acredito: a polarização entre PT e PSDB faz mal ao Brasil. Virou meio que um meme hoje em dia, mas acho que pouca gente entende o que ela quer dizer: não é uma questão de foco, de que só se fale de PT e PSDB, é antes disso uma questão de PT e PSDB serem partidos próximos e com projeto de país. Se PT e PSDB não polarizassem artificialmente, poderiam governar juntos e jogar para escanteio o que existe de pior na política nacional. Alguns amigos meus acham que PT e PSDB tem divergências muito grandes para serem aliados. Eu acho que não. Como é possível ver pela história recente, Lula adotou tranquilamente políticas econômicas do segundo mandato de FHC.
Dilma fez uma política econômica diferente, que veio a ser chamada Nova Matriz Econômica, e deu grande foco a ensino técnico, em detrimento inclusive de áreas humanas, sendo altamente tecnicista, pecha que geralmente se tenta colar em gente do PSDB, como Serra. E cá entre nós, não duvido nada que Serra faria parecido, tanto em economia quanto em dar pouca importância às áreas humanas. Ele sempre foi crítico das políticas econômicas no governo FHC, não é a toa que nunca chegou perto do Ministério da Fazenda. Nosso histórico mostra que a visão sobre política econômica tem muito a ver com a pessoa, para além do partido.
FHC, ao contrário do que os defensores da polarização tentam fazer crer, não é um demônio contra investimentos sociais e distribuição de renda. Ele foi o parlamentar que colocou na Constituição a previsão do imposto sobre grandes fortunas e autor do projeto de lei ainda parado no congresso que o regulamenta. Foi o governo responsável por começar um período de valorização do salário mínimo, que estruturou o SUS, que contribuiu com avançar nas metas do milênio, que começou as bolsas com condicionantes que depois se tornaram o Bolsa Família. FHC e Lula já se apoiaram em eleições passadas.
Para além disso, será que eles são diferentes o suficiente pra justificar não se aliarem e ao invés disso ficarem reféns do partido da governabilidade, o PMDB, ou pior, do DEM, PSC, PR, PP e outros partidos cheios de coronéis, fundamentalistas e conservadores? Foi isso, principalmente, que me conquistou em Marina, a possibilidade de juntar as pessoas boas do PT, PSDB, PDT, PSB, PV. Possível? Não custava dar minha contribuição pra essa ideia. E assim fiz, votei Marina no primeiro e segundo turnos, ajudei a dar a ela os 20 milhões de votos.
Nesse ano, entrei na eleição satisfeito com qualquer dos dois maiores candidatos da oposição, os programas de ambos na economia são de parar com as experiências que já se provaram ruins da Nova Matriz Econômica, voltar às políticas de FHC2/Lula. Os dois também falam em acabar com o abuso político da Petrobrás, com os subsídios indiretos, com os subsídios diretos que eu acredito serem indevidos, via BNDES. Estou muito animado com a possibilidade real de vitória que Marina tem demonstrado.
A Nova Matriz Econômica vem mostrando que foi uma péssima ideia. Chega a ser engraçado olhar as previsões do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do Secretário de Política Econômica, Márcio Holland, e os resultados de fato. As novas políticas, que teoricamente teriam a virtude de aumentar o nível de investimento para 24% do PIB, não impediram que ele caísse de 19,2% para 16,5% – isso se não tiverem sido as próprias políticas a causa. Com investimento em queda, não há como ver crescimento no horizonte. E pra mim a explicação da crise internacional não convence: o resto do mundo já está na retomada, nós estamos na queda.
Economia é muito importante pra minha decisão de voto, pelo efeito que tem na vida de todo mundo. Mas provavelmente vou repetir minha tradição de votar num candidato para marcar posição no primeiro turno. Nesse ano o alvo vai ser provavelmente Eduardo Jorge. Seria legal se a gente pudesse votar num governo para a economia e em outro para a questão dos direitos. Eduardo Jorge faz a defesa do que eu acredito na questão das drogas, do aborto, sem hipocrisia, com a realidade em mente. É defensor dos direitos de minorias e simplesmente muito bom. Acho engraçado que muita gente que eu vi falar que queria ter um Mujica vai votar em Dilma. Que perda de oportunidade.
Mas o segundo turno é de Marina ou Aécio. Ambos também são bem claros em dizer que vão manter as conquistas da sociedade e os bons programas do governo. Qualquer dos dois que for contra Dilma, leva consigo um programa que eu acredito ser melhor que o do atual governo para a economia. E economia não é simplesmente defender os interesses dos mais ricos: se a economia vai mal, desemprego é questão de tempo, a arrecadação cai e os investimentos em programas sociais e de distribuição de renda ficam ameaçados. Com a palavra, Lula, na Carta aos Brasileiros:
Mas é preciso insistir: só a volta do crescimento pode levar o país a contar com
um equilíbrio fiscal consistente e duradouro. A estabilidade, o controle das contas
públicas e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros. Não são um
bem exclusivo do atual governo, pois foram obtidos com uma grande carga de
sacrifícios, especialmente dos mais necessitados. (Lula, na Carta aos Brasileiros, 2002)