Por que não colocar pagamento de juros no teto do gasto?
By Gustavo Noronha
Vez ou outra volta um papo de dar calote em dívida. Dos anos 80 pra cá a demanda por moratória da dívida se transformou em demandas menos diretas, mais camufladas. Uma é a tal auditoria cidadã, que ignora que a dívida é auditada e quer na verdade repetir o que foi feito no Equador (usado frequentemente como exemplo por seus defensores): calote. A da vez é dizer que o teto de gastos da PEC 241 deveria incidir sobre os juros da dívida.
A dívida, vejam bem, já foi feita, pelos motivos mais diversos. Quando gastamos demais e geramos déficit temos que nos financiar de alguma forma. Essa forma é a dívida pública. Em alguns casos a emissão de dívida é feita para implementar determinadas políticas. A gente pode até não concordar com a razão para ela – eu por exemplo fervo de raiva quando lembro que Dilma aumentou a dívida em 500 bilhões pra dar juro subsidiado pra Odebrecht e companhia. Mas a gente tem que saber o efeito de não reconhecê-la/pagá-la.
Se você tem um amigo a quem empresta dinheiro e ele te paga direitinho, você sempre topa emprestar. Mas se tem aquele amigo que sempre atrasa, as vezes tem até que pedir uma extensão do empréstimo, ficar um tempo sem pagar, aí você vê que ele tá torrando dinheiro em festa, você começa a pensar duas vezes antes de emprestar. Ou você embute o risco de emprestar pra ele na sua remuneração cobrando juro maior.
Com países é assim também. O Brasil deu calote na dívida nos anos 80. Vai lá ver como isso fez bem pro país… nós ficamos sem acesso a crédito por anos e anos. Só saímos desse buraco específico em 1994, quando Pedro Malan finalmente conseguiu renegociar a dívida e ganhar a confiança dos credores. A Argentina teve recentemente uma experiência parecida.
Nossos juros são altos não é a toa, é por termos um histórico de gastança junto com calote. Nós precisamos e queremos ter acesso a crédito, mas nossos credores ainda estão com a viva memória da nossa última moratória e da dificuldade que é fazermos ajuste fiscal.
Se quisermos que nossos juros permaneçam altos, que os credores e investidores continuem desconfiados da nossa capacidade (ou vontade) de pagar a dívida, que fizemos porque quisemos, é só pedir pra limitar pagamento de dívida.
Existe uma alternativa: limitar o nível de endividamento. Isso significaria deixar os juros intocados, mas o governo fica impossibilitado de tomar mais empréstimos se atingir um determinado limite. Funciona assim nos EUA, por exemplo.
O que acontece nesse caso? Se colocarmos um limite de, digamos, 80% do PIB na dívida seria uma imposição ainda mais dura que a PEC 241, porque nós teríamos que reverter o déficit que temos muito mais rapidamente (estamos com a dívida em 73%. e chegaremos a 2021 com 91%).
Nós não precisamos de uma medida tão dura quanto um teto da dívida, mas colocar teto em pagamento de dívida é suicídio, é entrar no cheque especial e pagar um juro pior ainda, é arruinar o trabalho lento e gradual que o país teve de ser visto como um destino mais confiável para investimento.
O que aliás vinha nos possibilitano reduzir juros de forma consistente – FHC, Lula, os dois entregaram juros melhores do que pegaram, só Dilma entregou pior.
Uma sinalização crível de que o problema fiscal será saneado vai nos dar o contrário: juro menor, reduzindo o peso do serviço da dívida, abrindo mais espaço no orçamento pra gasto primário.