Pedaladas para dummies
By Gustavo Noronha
Fiquei pensando num jeito simples de pensar o que são as pedaladas e cheguei nessa historinha. Imagine a seguinte situação:
Um casal tem um filho e quer ensinar a ele como gastar dinheiro de forma responsável. Estabelecem uma mesada e fazem com ele um acordo: se não gastar de uma vez e chegar ao final do mês com algum dinheiro sobrando, a criança ganha uma caixa de chocolates.
O menino não faz muito esforço para atender o acordo. Pelo contrário, vai com amiguinhos a lanchonetes, compra doces e tudo. Mas com um detalhe: sabendo que um dos seus amigos sempre tem bastante dinheiro e é íntimo o suficiente para não negar ajuda, alega ter esquecido o dinheiro e pede que o amiguinho pague, prometendo pagar depois.
Apesar do padrão de gastos indicar que não vai sobrar nenhum dinheiro, os pais continuam satisfeitos porque o menino sempre mostra o dinheiro que ainda tem e, do ponto de vista dos pais, tudo indica que ele está mesmo gastando aos poucos.
Ao final do mês, na última conferência, o menino ainda tem dinheiro em mãos e ganha a caixa de chocolates. Prêmio conquistado, o menino paga o amiguinho que ficou devendo.
Os personagens da historinha, na realidade: o menino é o governo, o amiguinho são os bancos públicos, os pais são o povo brasileiro e o Congresso Nacional.
Em 2013, técnicos do Tesouro Nacional alertaram através de relatórios que a situação fiscal brasileira era grave e que iríamos perder o grau de investimento em até 2 anos. Dilma decidiu ignorar esses alertas e, para não assustar o público, decidiu adotar o artifício que ganhou o nome depedaladas. Ou seja, deixar de repor os gastos dos bancos públicos com os programas sociais.
O objetivo do uso desse artifício não era “garantir programas sociais”, como o governo quer que acreditemos, nem faria sentido. O governo apresentava superávits, certo? Então tinha dinheiro, não repôs por quê? Essa é a pergunta de 1 milhão de pedaladas: por que motivo o governo decidiu deixar de depositar o dinheiro nos bancos públicos?
Muitas desculpas são inventadas, mas o objetivo me parece bastante óbvio: assim como o menino da historinha, o governo tinha muito a ganhar escondendo a situação real das contas nacionais. Enganava o Congresso, enganava as agências de rating e, mais importante de todos: enganava os eleitores.
Para ganhar as eleições, era crucial negar à oposição o discurso de que a economia ia mal. A campanha foi fortemente baseada em chamar de pessimistas quem apontava erros na política econômica e alertava para o crescente desajuste fiscal. O personagem “Pessimildo” dava o tom: se fala que o Brasil está à beira do colapso fiscal é porque é da turma do quanto pior melhor.
E para a oposição ficava de fato muito difícil defender que havia um problema quando o resultado fiscal do governo vinha positivo mês após mês. Depois das eleições, como fica fácil ver no gráfico, o governo tirou o pano de parte da fraude fiscal e mostrou a situação real: um déficit primário, algo inédito em 10 anos, de 32 bilhões de reais.
Foi o equivalente de os pais do menino da nossa história ficarem sabendo que, ao contrário do que pensavam, não só o filho gastava todo o dinheiro, como já estava devendo bastante ao amiguinho. Dilma insiste que tudo aconteceu já no final do ano de 2014. Acredita quem quer.
Outra coisa que gostam muito de dizer é que isso é algo que “todos fizeram”. O gráfico já torna óbvio que o que houve foi bem diferente do que vinha acontecendo. O mais importante nem é a amplitudo vertical dos déficits, mas a demora em fechá-los. Você vai perceber que eles são fechados depois de datas importantes, no caso de 2014 as eleições. Por que deixar os bancos tanto tempo sem reposição se havia dinheiro para cobrir?
Pra mim pelo menos está claro que Dilma usou dinheiro dos amiguinhos pra garantir sua caixa de chocolates. Foi por pouco, com base numa campanha vil, vergonhosa, com base numa fraude, mas ganhou. A ver se vai conseguir convencer de que deve mantê-la.