Minas Gerais paga o piso?
By Gustavo Noronha
Eu acompanho há alguns anos o debate a respeito dos salários dos professores em Minas Gerais. Meu interesse tem duas razões: primeiro porque eu acredito que uma educação básica de qualidade é a ferramenta mais efetiva para ajudar a tirar pessoas da pobreza, segundo porque minha mãe foi professora do Estado de Minas por muitos anos e eu sentia na pele o que é viver com salário de professor.
Acho que professores do ensino público ainda ganham muito mal e que valorização da profissão deve ser uma prioridade do poder público. Porém, sei também que dinheiro público não é infinito e que as vezes o que dá pra fazer é o que dá pra fazer.
Em 2010, dois anos depois da lei do piso nacional ter sido promulgada, o Estado de Minas substituiu um sistema de remuneração complexo, cheio de penduricalhos por um subsídio que excedia o salário com penduricalhos. Os penduricalhos eram o truque usado por governos até ali para reduzir o custo da folha, já que os adicionais não eram contados para, por exemplo, aposentadoria.
O valor do subsídio para a carreira inicial de professor para 2011 foi de R$ 1.122,00, enquanto o piso nacional dos professores era de R$ 1.187,08. “Opa! O subsídio ficou abaixo do piso!”, você vai dizer. Mas não: a diferença é que em Minas Gerais a carga horária é de 24 horas, enquanto o piso é para 40 horas. Isso significa que Minas pagava quase 12 reais por hora enquanto o piso exigia 7,5. Em outras palavras, Minas pagava um piso 57% maior que o piso nacional, proporcional à carga, algo previsto na lei do piso.
Isso não impediu os professores de acusarem o governo mineiro de não pagar o piso nacional. O argumento deles era meio estranho e envolvia dizer que subsídio não pode ser considerado salário, que o modelo de remuneração anterior deveria ser retomado e a parte da remuneração que era de fato salário devia ser aumentado para representar o piso.
Sem dúvidas isso aumentaria os salários dos professores, mas seria mera manobra para tentar forçar o aumento. O fato, indiscutível com honestidade intelectual, é que Minas pagava sim um valor superior ao piso. Ironicamente, o governador petista do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, cuja assinatura consta da lei do piso nacional do magistério, esse sim não pagou o piso em nenhum dos seus 4 anos de mandato.
Corta pra 2014. É época de eleição e a presidente do sindicato dos professores estaduais vai para a propaganda eleitoral do candidato do PT ao governo de Minas, Fernando Pimentel, denunciar o não pagamento do piso e dar seu voto de confiança de que tudo seria diferente com a eleição do petista. A promessa, atender às reivindicações dos professores, que os tucanos não atendiam por serem malvados e não se importarem com a educação e com os professores.
Pimentel é eleito. Em maio de 2015, parece que a aposta do sindicato foi correta: um acordo é firmado entre professores e governo. O acordo mantém a carga horária de 24 horas, acaba com o subsídio e volta para um modelo em que há salário e potencialmente outros penduricalhos, promete aumentar até 2018 o salário para atingir o piso sem proporcionalidade – ou seja, pagando para as 24 horas o mesmo valor do piso de 40 horas. Além disso, o acordo prevê aumento automático do salário a cada ano acompanhando o aumento do piso nacional.
Para 2015, um penduricalho de 190 reais é adicionado à remuneração, com a promessa de incorporação ao salário em 2017. Em 2016 um penduricalho de 135 reais a ser incorporado em 2017, e um de 137 a partir de 2017 a ser incorporado em 2018. O acordo foi comemorado com fanfarra pelo sindicato como uma prova de que finalmente havia sido superada a maldade e incompetência tucanas. O gráfico a seguir mostra a situação até aqui:
Como podemos ver, Minas continuou pagando acima do piso em 2015, em proporção idêntica àquela de 2014. As linhas vermelha e azul usam como referência o eixo esquerdo do gráfico e são valores por hora do salário em Minas e do piso nacional. A linha verde usa o eixo direito e representa quantos por cento do piso o salário em Minas representa.
Ao final de 2015, no entanto, uma nuvem apareceu no horizonte. O governo, depois de aumentar gastos sem se preocupar com as limitações conjunturais, dizia já não ter mais capacidade de fazer acordos, concursos e contratações porque o dinheiro havia acabado. Em janeiro de 2016, a bomba: não estava garantido o aumento dos professores.
E, de fato, os professores não encontraram nos seus contra-cheques o aumento automático acompanhando o aumento do piso. O piso nacional foi aumentado em pouco mais de 11% que deveria se refletir na remuneração dos professores mineiros. Além disso, a promessa incluía um penduricalho adicional de R$ 135 para esse ano. O gráfico a seguir mostra como deveria ter ficado a situação (linha laranja) e como ficou (linha azul):
Como podemos ver, não só a promessa foi descumprida como a proporção do piso paga pelo Estado de Minas chegou a ponto mais baixo desde a lei do subsídio. Em outras palavras: no seu segundo ano, o governo Pimentel está pagando menos do que o pior momento do governo Anastasia, em 2013. E a situação não deve melhorar com facilidade.
Além dos professores, o restante do funcionalismo também vem sofrendo com atrasos e parcelamento dos pagamentos, algo que Minas Gerais não via desde que Aécio Neves assumiu em 2003. O último governador a deixar o Estado nessa situação foi Itamar, que chegou a declarar uma moratória da dívida com o governo Federal.
Ao que parece, a retórica da campanha petista sobre o governo tucano ser maldoso, insensível e incompetente não passava de retórica barata, mesmo. É uma pena que tenhamos que assistir a uma situação dessas para desmascarar o discurso populista do voluntarismo e do monopólio das boas intenções. Agora é torcer para a situação melhorar e permitir manter pelo menos algumas das promessas. Torçamos.
Os gráficos são de elaboração própria, os dados podem ser verificados nessa planilha.