Fascistas são os outros
By Gustavo Noronha
Recentemente Chico Buarque virou notícia por ter debatido na porta de um restaurante no Leblon com um grupo que gritou frases contra o PT, partido que o músico apoia, ao vê-lo. Segundo o relato de Cacá Diegues, que estava com o cantor, Chico atravessou a rua para conversar com eles, que continuaram usando frases prontas e acusando-o de morar em Paris.
Os rapazes que interpelaram Chico foram desrespeitosos e deselegantes, Chico pelo contrário foi respeitoso e disse algumas verdades como não ser viável se informar por panfletos como a Veja – só espero que ele não tenha recomendado como alternativas os panfletos governistas como o Brasil 247. No todo um caso bastante banal de debate político fervoroso nesses tempos de crise política e econômica.
O caso começou a tomar contornos meio ridículos com a repercussão: defensores do PT o divulgaram como se fosse uma agressão fascista. Pera lá, por mais banalizado que esteja o termo fascista, não dá pra aplicar para qualquer coisa só porque não se concorda com ela. Além disso, chamar interpelação deselegante e desrespeitosa de agressão é também um pouco absurdo.
A presidente Dilma, que levou dias para se solidarizar com as vítimas de Mariana, já tinha se solidarizado com Chico em posts de mídia social poucas horas depois do acontecido. Uma discussão política acalorada na frente de um restaurante de elite teve atenção mais célere da nossa mandatária do que o crime ambiental da Samarco.
E aí começaram as tentativas dos suspeitos de sempre de tentar colocar na conta da oposição como um todo o acontecido (devidamente exagerado). Algumas das figuras mais desonestas que militam pelo governismo já começaram a dizer que os rapazes eram ‘ligados ao PSDB’. Outras querem fazer parecer que os comportamentos autoritários e violentos estão exclusivamente no campo oposicionista.
Aí é que eu acho que o medidor de hipocrisia quebra. Há comportamentos desprezíveis ganhando espaço ultimamente? Há sim, e o governismo é inclusive muito bom em pescar esses comportamentos nos movimentos contrários ao governo, ajudando bastante a dar palanque pra maluco. Mas opiniões absurdas e comportamento autoritário estão bem longe de serem exclusividade do campo oposicionista, o que acontece é que no momento o PT e Dilma são os alvos preferenciais por terem feito um governo muito ruim.
Se voltarmos no tempo, para os anos 80 e 90, vamos encontrar muitos, muitos exemplos de hostilização de políticos e pessoas que os apoiam por petistas, por exemplo. Artistas que declararam apoio a Collor contra Lula em 1989, como Marilia Pera e Claudia Raia, foram alvo de hostilização e vaias. No ano 2000 o tucano Mário Covas, então governador de São Paulo, foi encurralado por manifestantes em greve e atacado com pedras, isso dias depois de José Dirceu dizer em comício que os adversários tucanos tinham que apanhar ‘nas urnas e nas ruas’.
Mas nem precisamos ir tão longe no passado.
Em 2013, a blogueira cubana Yaoni Sanchez foi recebida em todos os aeroportos brasileiros em que pousou por protestos pró-governo de Cuba. Protestos organizados por algumas das mesmas entidades que hoje organizam os atos em defesa do governo Dilma: CUT, PC do B, Ubes, UJS, PT. Chamaram-na de traidora, agente da CIA, teve até puxão de cabelo
Além dos protestos em aeroportos, a cubana teve que enfrentar também interrupções e cancelamentos de palestras que proferia em razão dos protestos intolerantes. Até o petista Eduardo Suplicy, que acompanhou Yoani em algumas de suas viagens, se tornou alvo da hostilização e teve que tentar lembrar que o PT foi fundado para defender o socialismo com democracia.
O Ministro Joaquim Barbosa, relator do julgamento da AP470, mais conhecida como Mensalão, passou de herói pela sua defesa das cotas raciais para alvo de hostilização por petistas em espaços públicos, por ter recomendado a condenação de Dirceu, Genoíno e outros membros do partido.
A crítica à escalada dos comportamentos violentos, intolerantes, do patrulhamento de preferências partidárias e da hostilização é essencial, necessária, correta. A tentativa de inventar um cenário em que um dos lados é exclusivamente vítima, com tanta contribuição no currículo, isso não dá pra aceitar.