“A oposição não tem projeto”
By Gustavo Noronha
Não sei vocês, mas eu leio muito isso por aí. Não sei de onde tiram, mas creio que seja daquelas mentiras que repetidas vezes o suficiente acabaram ganhando um certo verniz de fato.
Basta olhar os projetos de lei propostos pela oposição para ver que não passa de besteira. Políticos do PSDB, do PSB, do PPS, do DEM, todos têm projetos de lei substanciais propostos na última década, muitos deles com tranmitação parada porque falta à oposição o poder de agenda: não tem presidência das casas nem a presidência da República.
E a campanha do ano passado? Aécio, Marina, Eduardo Jorge, todos eles tiveram programas de governo detalhados. Foi exatamente isso que Dilma usou para atacar de forma deplorável a Marina, pinçando pedaços do seu programa, tirando de contexto e exagerando. Quem não se lembra do Quarto Poder da República que Marina entregaria aos bancos, na forma de um Banco Central independente? Um espantalho, golpe baixo, criado para repetir a estratégia do medo, que foi usada tantas vezes contra o PT. Aécio tinha um programa tão detalhado quanto. Tinha inclusive o Ministro da Fazenda já anunciado.
Dilma foi a única candidata a se limitar a registrar no TSE um documento com diretrizes, sem um programa detalhado de governo e ainda com a proeza de ter um Ministro da Fazenda demissionário, demitido casualmente em uma entrevista.
Mas dá pra ir além! Programas como o de Aécio e Marina não saem de um vácuo. Antes ainda de 2011, o economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real e ligado ao PSDB, organizou com Simon Schwartzman e Mônica de Bolle uma série de seminários para debater grandes questões do país. Esses seminários resultaram em artigos que foram organizados em livros e publicados já em 2011, com várias propostas.
O livro A Nova Agenda Social, que eu resenhei aqui, discute os problemas e possíveis soluções da educação, saúde, previdência e distribuição de renda. Acho interessante notar que algumas das soluções propostas para a educação foram também levantadas recentemente em entrevista por um dos pais do Bolsa Família, o economista Ricardo Paes de Barros. O Futuro da Indústria no Brasil, faz diagnósticos da industrialização brasileira e dos desafios que ela vem enfrentado.
O livro Novos dilemas da política econômica, trata da crise de 2008, da regulação dos sistemas bancário e financeiro, além de analisar os problemas e possíveis soluções para nossa política econômica. Conta com textos, por exemplo, de Armínio Fraga, que seria Ministro da Fazenda de Aécio, André Lara Resende, que integrou a campanha de Marina, e de Marcos Lisboa, responsável por implementar as reformas microeconômicas que ajudaram a expandir o crédito no primeiro governo Lula, hoje um crítico das políticas que foram adotadas a partir da ascenção de Dilma e Mantega no governo.
Vê-se que os intelectuais ligados ao tucanato e à campanha de Marina não estavam dormindo. Muito pelo contrário, estavam, como continuam hoje, debruçados sobre os problemas que a sociedade brasileira tem e propondo meios para enfrentá-los, alguns dos quais foram parar nos programas das campanhas. Dá até pra dizer que a oposição não conseguiu articular de forma clara seu projeto, mas dizer que não o tem é ignorar ou preferir não ver a realidade.
Quando falam isso, também vem à minha mente sempre a campanha de 2002 e o primeiro governo Lula. Olhando em retrospecto, as grandes marcas de Lula são sem dúvida o Bolsa Família e as reformas microeconômicas já mencionadas acima, implementadas por Marcos Lisboa, que permitiram grande ampliação do crédito. Mas essas não eram parte do projeto lulista, que venceu as eleições em 2002!
Qual era o grande projeto de Lula em 2002? O Fome Zero. Para além do Fome Zero, suas propostas eram bem menos visíveis e bem menos detalhadas. Sabíamos (ou esperávamos) pela Carta ao Povo Brasileiro, que a política econômica seria de continuidade à de FHC, o que de fato aconteceu. O Fome Zero era um programa complexo e que fracassou, foi abandonado ainda no primeiro ano. Alguns citariam a valorização do salário mínimo, mas basta ver que FHC deu aumento comparável ao de Lula pra ver que não é diferencial.
Os dois grandes feitos do governo Lula vieram na verdade de um documento chamado Agenda Perdida. Um documento feito por economistas liberais mais ou menos na mesma linha dos livros citados acima. O texto foi indicado a Palocci por Armínio Fraga, logo após as eleições. É o que diz o próprio Palocci em seu livro Sobre formigas e cigarras. Palocci gostou tanto que chamou autores como Marcos Lisboa para trabalhar no governo.
Prova de que a Agenda Perdida ia até mesmo contra o DNA do partido é a reação que houve quando o Bolsa Família foi proposto. O maior problema era o fato de o programa ser focalizado, ou seja, de atender somente os mais necessitados. Maria da Conceição Tavares, uma das intelectuais do PT, disse o seguinte à época, em entrevista à Folha (vale ler a entrevista toda):
Causou mal estar em todo mundo. Não sou da área social e estou histérica. Temos políticas universais há mais de 30 anos. Somos o único país da América Latina que tem políticas universais. A focalização foi experimentada e empurrada pelo Banco Mundial na goela de todos os países e deu uma cagada. Não funciona nada.
Tavares não poupou críticas ácidas aos novos protegidos do Ministro Palocci:
O eco foi de raiva. Dentro do programa [divulgado pelo Ministério da Fazenda] há gente infiltrada que escreveu uma porcaria chamada Agenda Perdida [documento escrito pelos economista José Alexandre Scheinkman, Ricardo Paes de Barros e Marcos Lisboa], feita por um grupo de débeis mentais do Rio de Janeiro.
Sobrou até pra o atual Ministro da Fazenda, Joaquim Levy – que foi um dos quadros do governo FHC que Palocci manteve:
O ministro Palocci escolheu para seu assessor econômico e do Tesouro [Joaquim Levy, ex-chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento no governo FHC] quem bem entendeu. Não são pessoas da confiança do PT e não têm nada a ver com o partido.
Conclusão: o grande projeto de Lula em 2002, o programa Fome Zero, foi um fracasso. O que salvou o governo e deu fama internacional a ele foi um conjunto de ideias desenvolvidas por economistas liberais, os mesmos que ajudaram a criar os programas de governo de Aécio e Marina para as eleições de 2014.
A agenda foi indicada a Palocci por ninguém menos que Armínio Fraga, que seria Ministro de Aécio, se eleito, e implementada a despeito do xilique dos ideólogos petistas históricos. E para coroar, o Ministro que Dilma chamou para tirá-la do atoleiro em que se meteu é também um liberal, aluno de Armínio Fraga, mantido do governo FHC e execrado por aqueles mesmos petistas que consideravam o Bolsa Família coisa de débil mental. Durma-se com um barulho desses.
Quando alguém reclamar que a oposição não tem projeto, lembre-se disso.