Democratização das comunicações
By Gustavo Noronha
É bastante comum ver defensores do governo defenderem a democratização ou a regulação das comunicações. Sou favorável a ambos (mais sobre adiante). As razões para essa defesa feita pelos governistas, no entanto, não me parecem ser sempre as melhores.
Devem-se essencialmente a acreditar que a chamada grande imprensa é enviesada contra o governo e promove um pessimismo exagerado. Serei o primeiro a concordar que a imprensa é, em geral, péssima. O que não falta é notícia superficial, com manchetes exageradas ou falsas, com informações erradas e foco enviesado. Também conheço números que indicam que de fato a grande imprensa tem mais má vontade com os governos petistas.
Mas perguntaria: será que a grande imprensa tem todo esse poder que parecem querer atribuir a ela? Tomando como verdadeira a premissa de que a imprensa tem algum tipo de viés contra os governos petistas, como é possível ela ser assim tão poderosa e influente quando nós estamos vivendo o quarto governo federal petista seguido?
Além dos resultados eleitorais, podemos olhar dados como a aprovação da presidente e confiança das pessoas na economia. Vejamos o índice de confiança do consumidor, medido pela FGV, por exemlo:
Dá pra ver pelo gráfico que a confiança dos consumidores vinha caindo desde 2012, mas cresceu bastante em 2009 depois do pior momento da crise mundial e ficou bastante alta por um tempo. A imprensa é que mudou seu viés ou foi a situação que foi piorando mesmo?
E que dizer do mergulho a partir de novembro, logo depois da eleição? Foi a imprensa que finalmente convenceu ou foi a população percebendo que havia sido enganada pela campanha da presidente, que começou a fazer o que acusou os outros de querer fazer já na semana seguinte à eleição?
A conclusão que tiro olhando esses dados, além dos dados de aprovação da presidente, é que mesmo que a imprensa seja enviesada contra os governos petistas, não tem tanta influência quanto parecem pensar os governistas. E algumas das soluções que apareceram do lado governista não são muito melhores.
Portais como Brasil 247 não deixam nada a dever a revistas como Veja em termos de servirem como panfletos do seu grupo político preferido. Sites de ex-jornalistas como Paulo Henrique Amorim poderiam ser facilmente confundidos com sátiras como o Sensacionalista. Mas pior de todos é um tal Portal Metrópole, que ganhou certa visibilidade durante as eleições.
O Portal Metrópole divulgou durante a campanha um texto de um economista alemão chamado Kurt Neuer que não conseguia entender Dilma ter chance de perder. Como postaram isso pra me mostrar que a imprensa brasileira era pessimista demais fui atrás de descobrir quem era o tal Kurt e por que eu deveria escutar o que ele tem a dizer.
Não achei um economista com esse nome que tivesse qualquer vulto. Pelo contrário, acabei achando Kurt Neuer, e o texto traduzido pelo Portal, num comentário no portal noticioso alemão Spiegel. Aliás, um não, três, iguais. E a conta parece ter sido criada só pra isso, repare:
Fico até pensando se não foi o próprio portal metrópole quem criou esse comentário para traduzir e postar a tradução. O que isso nos mostra? Que temos que ser sempre cuidadosos com as informações que obtemos. Não dá pra sair acreditando em tudo só porque concorda com o que a gente pensa.
Mas enfim, acho essa aí uma péssima razão para pensar em regulação da mídia. Por quê? Porque está associada ao conteúdo, ao que é postado. Se partir pra esse lado, não demora e vamos ter algum tipo de censura. Sou totalmente a favor de responsabilizar e punir quem publica informações erradas – pra isso existe a justiça.
A lei poderia melhorar para garantir que a punição sirva como incentivo para evitar publicação temerária, sem dúvidas, mas discordarei também sem dúvidas de qualquer tentativa de criar punição sem devido processo. Que tipo de regulação eu toparia facilmente? Regulação econômica: tentar evitar uma monopolização dos meios de comunicação por exemplo é um objetivo muito bom.
Mas acho que outra expressão que se ouve muito de governistas é até mais importante: democratização das comunicações. Como se faz democratização das comunicações? Uma das formas mais simples, eu acho, é facilitando o acesso das comunidades a concessões de rádios comunitárias.
E é quando eu lembro disso que eu questiono se dão mesmo importância à democratização ou se é só outro jeito de falar ‘queremos dinheiro para os nossos blogs’. Por quê? Porque há 12 anos no poder, nenhuma palha foi movida para tornar o processo de regularização de rádios comunitárias menos kafkiano. Não é algo que sequer depende de apoio congressual para acontecer. E nem dá pra dizer que é porque o Ministério está na mão de um aliado de conveniência, já que o Ministro é do partido do governo há vários anos.
Outra, para mim mais desejável ainda, é aumentando a inclusão digital. A Internet independe de concessões, de outorgas. É possível entrar e produzir, compartilhar, ver o que quiser, inclusive porcarias como o Portal Metrópole.
A boa notícia é que há muitas novidades para além das porcarias, também: jornalistas interessados no futuro do jornalismo de verdade tem aproveitado essas novas possibilidade trazidas pela tecnologia para lançarem portais de jornalismo independentes. Indo além das manchetes chamativas, pretendem fazer um jornalismo aprofundado, detalhado, expremendo o que houver de sumo e informação nas matérias.
A primeira que sempre me vem à mente é a Agência Pública, que usa financiamento coletivo como uma das formas de financiar seu trabalho, dando aos financiadores o poder de influenciar nas pautas. A Pública já fez matérias sensacionais sobre prisões privatizadas, a situação de Belo Monte, sobre a JBS e sua Friboi, sobre questões indígenas e assim vai.
O Oene fica bem longe das manchetes sensacionalistas seguidas de merrecas de informação quase seca. Já fez séries de matérias longas e ponderadas sobre a evolução do trabalho, os rolezinhos, terceirização. As matérias são de graça, o Oene deixa para o leitor a decisão de fazer ou não uma assinatura para doar de 5 a 20 reais por mês.
O recém-lançado BRIO tem uma proposta diferente, servindo como se fosse uma “app store” de notícias, em que jornalistas podem publicar e vender reportagens individuais num formato ‘a la carte’ – várias das reportagens estão abertas para o lançamento.
Isso sem contar várias outras iniciativas que me levam a acreditar que acesso a Internet pode ser um ótimo caminho para a democratização da mídia e para o aumento da diversidade de informação. Mas esse é outro objetivo que não passa perto dos objetivos do governo. Tudo que foi anunciado, como o Plano Nacional de Banda Larga, é mal implementado ou fica no anúncio.
Inclusive, fica também no anúncio a ideia de propor qualquer tipo de regulação ou democratização. Quando a militância dá sinais de que vai debandar, a ideia de regulação sempre volta: foi assim em 2010, por exemplo, quando em tese foi feita uma proposta de lei.
A coisa já começou estranha porque quem ficou responsável pela proposta à época foi Franklin Martins, que era o chefe da propaganda da presidência, não o Ministério das Comunicações. Mas no final das contas ninguém sequer viu a proposta, que ficou engavetada.
Eleita, Dilma disse que não topava esse tipo de proposta, que preferia o barulho da democracia ao silêncio da ditadura. Palmas pra ela, concordo plenamente. Mas bastou ter risco de não ser reeleita e lá foram os governistas prometer o quê?
Exatamente: regulação da mídia, que em teoria seria priorizada pelo novo Ministro das Comunicações. De lá pra cá já esqueceram de novo. É a bandeira que acenam toda vez que os militantes começam a ficar raivosos, pra guardar de novo assim que não precisam mais deles.
Como se vê, acho que tem muito espaço para um debate e para melhorias tanto na legislação quanto nas prioridades do governo que não dependem delas. Mas é importante tomar cuidado com ideias que beirem a censura e ainda mais importante enxergar o problema em toda sua amplitude ao invés de focar meramente nos conflitos entre imprensa e governo.