“Votei pelo pobre”
By Gustavo Noronha
Muita gente que votou pela reeleição da presidente Dilma, ao ser confrontada com os grandes problemas do primeiro mandato, argumentava: “voto pelo que é melhor para o pobre e Dilma priorizou os mais pobres”. Lembro até de uma pessoa dizer que preferia a estratégia de Dilma de crescer menos mas com mais apoio aos mais pobres – como se o crescimento baixo fosse parte da estratégia. A mim parece claro que quem falava isso não tinha prestado atenção no primeiro mandato de Dilma.
Não precisava ir muito longe. Enquanto a inflação crescia, programas como Bolsa Família ficaram anos sem reajuste. Devia ser óbvio para qualquer pessoa que se interessasse um mínimo por se informar que os mais vulneráveis estavam sofrendo uma corrosão brutal da sua renda.
Isso era tão claro pra mim que eu nunca parei pra olhar os dados, mas acabei ficando com uma coceirinha de curiosidade pra ver afinal qual era o tamanho do problema, então sentei e fiz uma planilha e um gráfico:
Fica claro olhando o gráfico que houve um descolamento entre o valor do benefício e a inflação depois do ano de 2011. Hoje o benefício básico está em 77 reais e deveria estar próximo de 94 reais para que mantivesse o mesmo poder de compra do governo Lula. 18% menor do que devia.
Dá pra ver também que no início de 2014, ano eleitoral, o governo se lembrou de que nenhum reajuste tinha sido dado desde 2011 e que ficaria menos fácil enganar os militantes e deu um aumento. Digo menos fácil porque difícil não seria. Quem votou pelos pobres votando em Dilma ou decidiu ignorar a realidade ou é dogmático, acredita que independentemente do que fizer o PT sempre será a melhor opção, defende de forma praticamente incondicional. É o militante capaz de defender que Dilma seria a melhor opção para questões indígenas mesmo sendo a presidente que menos demarcou terras indígenas depois da democratização.
E qual o resultado dessa redução da prioridade do Bolsa Família? O governo fez o que pôde para segurar dados ruins que deveriam ter sido publicados antes das eleições, como por exemplo os dados do IPEA sobre a miséria. Dilma havia prometido erradicar a miséria, chegou a adotar como slogan do governo “País rico é país sem pobreza”.
Mas, de novo, bastava usar um pouquinho a cabeça! Se a inflação está alta e o principal programa que serviu para tirar as pessoas da miséria foi corroído por ela, é óbvio que a miséria aumentaria. A única forma de a miséria não ter aumentado seria falsear os dados, usar uma faixa de miséria que fosse completamente incompatível com 4 anos de inflação (e sempre acima da meta!).
Alguém poderia tentar dizer que foi porque havia restrições orçamentárias. Seria até engraçado, visto que o governo torrou dinheiro como se não houvesse amanhã justamente no mesmo período, desembocando num gasto imenso em 2014.
Mas eu acho ainda mais interessante colocar esse argumento frente aos seguintes fatos: no mesmo período, o governo deu desonerações de folha de pagamento que só no ano de 2014 consumiram 1 ano de Bolsa Família e não produziram efeito no emprego, segundo o próprio Ministro da Fazenda. Houve outras desoneração não ligadas à folha de pagamento, que somadas a essa atingiram mais de R$100 bilhões: 4 vezes o Bolsa Família.
Isso sem contar o gasto enorme do BNDES, através de empréstimo subsidiado (ou seja, pago em parte pelo povo brasileiro) para empresários. Tudo isso, segundo a justificativa oficial, para aumentar a taxa de investimento. Dilma prometeu elevá-la a 24% do PIB, conseguiu foi fazê-la cair para 19%.
Já agora, no segundo mandato, mesmo reconhecendo que as contas do país estão desajustadas e que um ajuste fiscal é necessário, Dilma decidiu aumentar os empréstimos feitos pelo BNDES em 2 vezes o valor anual do Bolsa Família: 50 bilhões, através de mais um aporte do tesouro.
Bolsa Família? Dilma se empenhou foi em ampliar a Bolsa Empresário. Parabéns pra você que votou em Dilma pelo pobre. Vamos prestar mais atenção da próxima vez?