Melhor que o esperado
By Gustavo Noronha
Uma das coisas mais importantes que aprendi sobre interpretação de textos da imprensa e de militantes é que se deve detectar palavras ou expressões que podem esconder uma situação muito pior ou melhor do que a reportada. Dentre essas, expressões que indicam que algo teria saído melhor que o esperado é rainha que merece toda nossa atenção.
Em um texto há alguns anos, comentei uma matéria do Conversa Afiada que fazia uso desse expediente ao tratar do lucro de 2012 da Petrobrás: criticava as chamadas dos grandes jornais que destacavam a redução do lucro e usava como exemplo a publicação especializada InfoMoney que distoava dizendo que o lucro havia superado expectativas. Aí é que tá: superar expectativas pode até ser relativamente positivo por significar que os receios eram excessivamente pessimistas, mas não conserta o fato de que houve uma queda de 36,4% com relação ao ano anterior. Em outras palavras: os mais pessimistas estavam errados, mas os que acertaram continuam sendo os pessimistas.
Governo e governistas usaram estratégia parecida para falar da Copa de 2014, declarando-a um sucesso. “Os aeroportos não entraram em colapso”, disseram, comemorando que os mais pessimistas erraram ao prever o caos. É verdade: as pessoas conseguiram vir, chegar aos estádios, que também se comportaram durante os jogos, protestos foram coibidos. Mas se esquecem de que a régua que mede o sucesso não é o pior caso previsto pelos mais pessimistas e sim o que foi prometido. Evitar o caos pode ser positivo, mas não significa sucesso.
Uma das obras mais badaladas era o trem bala. Ideia esdrúxula na minha opinião, tentativa de criar uma imagem de país desenvolvido ao invés de resolver problemas reais de mobilidade. O governo chegou a preparar um leilão que acabou adiado indefinidamente por falta de concorrentes. Mesmo sem ser construído, o trem bala já gastou 1 bilhão. Há rumores de que a nova estatal de logística esteja recomeçando os estudos agora no começo de 2015.
Obras de mobilidade que de fato serviriam para resolver problemas reais também ficaram no anúncio ou deixaram a desejar. Das 51 obras prometidas originalmente, 35 foram mantidas nos vários cortes e apenas 9 foram concluídas, com 11 parcialmente em operação, totalizando 20. Para evitar problemas com trânsito em dias de jogos foram decretados feriados.
Das 70 obras no total, incluindo aeroportos, portos e outras intervenções, somente 24 foram concluídas. Outro dia estive no aeroporto de BH, que sofreu ampliações para a Copa, e ainda há inúmeras salas de embarque fechadas. A novidade ficou por conta das goteiras que eu pude ver em primeira mão por ser um dia chuvoso e estão por toda parte na área recém construída.
Durante o lançamento do edital do trem bala em 2010, o então presidente Lula criticou aqueles que duvidavam da capacidade do Brasil de entregar tantas obras que vinham sendo prometidas:
Terminou a Copa da África agora e já começam a dizer: ‘ Cadê os aeroportos brasileiros? Cadê os corredores de ônibus brasileiros? Cadê os corredores de trens do Brasil?’ Enfim, como se nós fôssemos um bando de idiotas que não soubéssemos fazer as coisas e definir as nossas prioridades. (Presidente Lula, 2010)
Em 2014, com a realidade batendo à porta, Lula decidiu que idiotas mesmo são os que esperavam que o governo fosse conseguir entregar:
Nós nunca tivemos problemas em andar a pé. Vai a pé, vai descalço, vai de bicicleta, vai de jumento, vai de qualquer coisa. Mas o que a gente está preocupado é que tem que ter metrô, tem que ir até dentro do estádio? Que babaquice é essa? (Lula em 2014)
Os estádios são um caso a parte. A FIFA exige 8, o Brasil insistiu em construir 12, alguns em áreas sem nenhuma tradição de futebol local, como Manaus. Prometeu-se que não haveria dinheiro público investido em construção de estádios, promessa que não chegou nem perto de ser mantida.
Com o final do mundial, já há estádios fechados para reformas emergenciais e outros alugando espaço até para festas infantis a preços baixos, pois não há demanda de eventos. O estádio de Brasília custou quase 2 bilhões de reais e gerou somente 1,3 milhões no primeiro ano de vida – precisará de mais de mil anos para ter o investimento de volta nesse ritmo. Importante lembrar que o estádio é do governo do DF, que terminou 2014 numa pindaíba financeira de dar dó, com funcionários sem salário, greves pipocando, estado de emergência decretado na saúde.
Na economia, falava-se muito em como a Copa traria bonança e mais arrecadação de impostos. Acontece que a FIFA e todos os seus parceiros tiveram isenção total de impostos, o que frustrou essa expectativa bastante rápido.
Com crescimento baixo da economia desde 2011, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, manteve o otimismo com relação ao impacto da Copa na economia até maio de 2014, véspera do mundial, dizendo que a Copa ajudaria o PIB do país a ter crescimento maior no segundo trimestre, depois de ter crescido só 0,2% no primeiro – o que depois foi revisado para uma queda de 0,2%. Em agosto, com os dados indicando que o segundo trimestre teve queda de 0,6% no PIB, Mantega culpou: cenário externo, seca e… Copa! Well, that escalated quickly.
Não sei vocês mas, olhando o quadro geral, posso até concordar que os mais pessimistas que previam o colapso total do país estavam errados. Agora, daí a chamar de sucesso? Não, acho que não.