Levy: o Armínio possível
By Gustavo Noronha
O Ministro da Casa Civil, Mercadante, defendeu ao fechar das cortinas do governo Lula sua tese de doutorado na UNICAMP. Com uma banca de aliados do governo petista, como Delfim Netto e Luiz Carlos Bresser Pereira, recebeu muitas críticas a respeito da essência da sua proposta, mas teve a tese aprovada assim mesmo. E a proposta era a de que o governo FHC tinha sido um governo neoliberal que havia sido superado por um novo modelo de desenvolvimento com Lula.
Essa narrativa sem respaldo na realidade não foi criada a toa. Mercadante, assim como Dilma, é defensor da escola desenvolvimentista que passou a comer pelas beiradas a política econômica com a ascensão de Dilma e Guido Mantega no segundo governo Lula, depois da queda das principais lideranças do governo no escândalo do mensalão.
O desenvolvimentismo começou a se fazer perceber no governo através do agigantamento do BNDES e da concessão de empréstimos gordos e baratos a grandes empresários escolhidos a dedo e sem critério claro, mas só se tornou central na política econômica com a eleição de Dilma. Foi aí que veio a Nova Matriz Econômica e o plano Brasil Maior que pretendiam ampliar e coordenar os investimentos, dando a setores específicos da economia benefícios fiscais, além da canetada que desorganizou o sistema energético do país.
A política econômica do governo Lula, especialmente do primeiro mandato, foi trazida do segundo mandato do governo FHC e aprofundada. Palocci, que foi escolhido Ministro da Fazenda, não só recebeu de bom grado sugestões de Armínio Fraga, como conta em seu livro De formigas e cigarras, como manteve no Ministério e em outros postos chave da política econômica vários quadros herdados do governo FHC, como o próprio Joaquim Levy. Levy ficou responsável na época por cuidar do Tesouro Nacional e ajudar nos cortes necessários para fazer um superávit primário forte. Foi com os cortes implementados que ganhou o apelido de “mãos de tesoura”.
Reconhecer que houve uma manutenção e aprofundamento das políticas adotadas por Pedro Malan e Armínio Fraga não serve às campanhas eleitorais petistas que querem criar a ideia de que são eles os únicos que se preocupam com os pobres. Aqueles quem propõe o mesmo que Lula prometeu em 2002, defendem, querem é desemprego e arrocho salarial, governarão para os bancos e para a bolsa de valores.
Não dá pra acusar de serem contra a população políticas que foram a base do bem sucedido primeiro mandato de Lula. Fica difícil criar a falsa dicotomia entre investimento em políticas sociais e de distribuição de renda com esse exemplo tão significativo. Daí a criação dessa narrativa, que estica a experiência desenvolvimentista para chegar a 2003, negando a realidade.
Acontece que a experiência desenvolvimentista, que só começou de forma plena a partir de 2011, deu no que deu: uma falha estrondosa, sem conseguir alcançar qualquer das metas do plano Brasil Maior, com redução da queda da desigualdade e da miséria, com as desonerações fiscais levando a um desequilíbrio fiscal preocupante. Tudo isso levou o governo a dar um exemplo de dupli-pensar de dar inveja a George Orwell.
Ao mesmo tempo em que negava haver problemas na política adotada e demonizava fortemente as propostas econômicas dos candidatos de oposição, criando interpretações exageradas e distorcidas, fica claro agora que Dilma já reconhecia a falha e planejava a mudança para adotar exatamente essas propostas. Ou no mínimo que Lula e o PT reconhecem e dobraram Dilma.
Agora, com a escolha de um Ministro da Fazenda que é pupilo de Armínio Fraga (tem até um teste na Internet pra tentar decidir a partir de frases quem disse o que, se Fraga ou Levy), que colaborou informalmente com as propostas econômicas da candidatura de Aécio, e que defende a ortodoxia, o governo já está tendo que dizer que na verdade ele se converteu ao desenvolvimentismo. Melhor isso que defender a continuidade dos erros como fazem economistas desenvolvimentistas como Belluzzo, que pelo menos reconhecem que o ministro escolhido está mais alinhado ao que Aécio defendeu na campanha.
Para coroar a hipocrisia do governo, depois de uma campanha de demonização de Marina, tentando colar nela a imagem de candidata dos bancos e do mercado financeiro, escolhem ninguém menos do que o diretor superintendente do Bradesco Asset Management, uma gestora de fundos de investimentos do banco Bradesco, para cuidar da política econômica.
Quem votou Dilma acreditando na campanha deve (ou deveria) estar se sentindo traído. Mas eu estou satisfeito. Os próximos anos serão difíceis, não tenho dúvidas: a quantidade de problemas que o governo acumulou já contratou um caminhão de dificuldades para o ano que vem, incluindo a questão do emprego que já vem mostrando sinais de enfraquecimento.
Mas creio que começamos com o pé direito escolhendo uma equipe que, embora represente um estelionato eleitoral, é séria e tem capacidade e credibilidade para fazer o que é necessário – se tiver autonomia para isso, o que ainda resta saber se terá. Vai ser dolorido, mas seria ainda mais se continuássemos com uma equipe desacreditada seguindo uma agenda responsável por colocar o Brasil de joelhos.
Daqui a 4 anos, se tiver dado errado, vão colocar a culpa no Ministro que não adotou políticas desenvolvimentistas. Se der certo, daqui a 4 anos estaremos ouvindo odes ao desenvolvimentismo, como se não tivéssemos dando meia volta e adotado novamente as políticas de FHC2 e Lula.
Não se engane: Aécio não ganhou a eleição, mas o escolhido para a Fazenda é o Armínio Fraga possível para esse governo.