Um conto de dois recuos
By Gustavo Noronha
Marina tem sido acusada de ter recuado na questão dos direitos LGBT. A justificativa dada pela candidata foi que o programa que foi publicado continha a contribuição original do setorial LGBT, que não tinha passado pelo debate interno. O programa então passou a representar, de acordo com a candidata, o que foi consensuado.
Eu não vejo por que não acreditar nessa justificativa por três razões. Em primeiro lugar, Marina já defendia desde 2010 o conteúdo que veio na correção, é só pesquisar. Desse ponto de vista, Marina não recuou: ela nem sequer avançou. Vale lembrar que ainda assim o programa de governo de Marina continua sendo o mais avançado no quesito de questões LGBT.
Em segundo lugar, há quem argumente que Marina tenha recuado para ganhar votos evangélicos, que são um grupo maior que os defensores de direitos LGBT – faz sentido, principalmente porque não seria só de evangélicos, mas da maioria dos brasileiros, que são conservadores. Mas isso só serve como argumento para aumentar a plausibilidade de que ela não teria motivos eleitorais para deixar de lado o que defendia e avançar tanto.
A terceira razão é que não é a primeira vez que um erro desse tipo acontece. Em 2010, a candidata Dilma Rousseff trocou no mesmo dia o documento que dava as diretrizes para o programa de governo registrado no TSE. Ela tinha inclusive rubricado todas as páginas do documento que foi registrado, mas alegou que não havia conferido.
Independentemente da questão do programa, Dilma em 2010 recuou sobre a questão do aborto. E nesse caso foi um recuo mesmo, não tem discussão. Dilma tinha dito em entrevista que achava um absurdo o aborto não ser discriminalizado. Pra se defender das acusações da campanha de Serra, Dilma teve que capitular.
Mas nem foi só a Dilma. O programa partidário do PT colocava essa questão como uma das defesas programáticas. Em meio ao debate do partido sobre retirar a defesa do programa partidário, o secretário nacional de comunicação do partido à época, Andre Vargas, saiu com essa no twitter:
O Brasil verdadeiramente cristão não votará em quem introduziu a pílula do dia seguinte, que na prática estimula milhões de abortos: Serra
Não satisfeito, emendou:
Agora é hora de envolver mais dirigentes na campanha. Foi um erro ser pautado internamente por algumas feministas. Eu e outros fomos contra
Bom lembrar que Andre Vargas continuou secretário nacional de comunicação do PT até recentemente, quando seu envolvimento com o doleiro Youssef foi descoberto, o que o levou a sair do partido para evitar ser expulso.
Nesse caso, Dilma tem um peso a mais contando contra ela: não é necessário imaginar o que ela faria, pois ela esteve esquentando a cadeira de presidente nos últimos quatro anos. E os últimos quatro anos depõe contra ela, tanto na questão dos direitos LGBT quanto na questão do aborto.
O Ministério da Saúde publicou esse ano uma portaria regulamentando o atendimento pelo SUS para aborto nos casos já previstos em lei, mas após sofrer pressão da bancada evangélica, que é aliada do governo atual, voltou atrás.
Esse foi o segundo recuo de Dilma na questão do aborto e demonstra que nem mesmo os direitos já conquistados são defendidos pela nossa presidenta se isso representar risco de perder apoio para se reeleger.
Considerando esses fatos, só mesmo o preconceito religioso pra explicar a má vontade com o erro na publicação do programa de governo da campanha da Marina, especialmente quando vem acompanhado de uma defesa de que Dilma seria de alguma forma melhor nesse quesito.