Privatizaquê? Sobre aeroportos, teles e a redução da tarifa energética
By Gustavo Noronha
Postado originalmente em 16 de setembro de 2012 no Observador Político e no Trezentos
Há um tempo atrás, com a privatização de 3 aeroportos anunciada pelo governo Dilma travei uma discussão muito interessante com um amigo psolista que é ávido defensor dos governos petistas, o Jonathan Simonin. Ao ser confrontado com o fato de que o governo Dilma está tomando a correta decisão de convidar a iniciativa privada para realizar os necessários investimentos de infra-estrutura ele já sapecou: não é privatização, é concessão – com data pra acabar! E disse mais: “pessoal do site tem que dar uma lida em direito administrativo pra saber a diferença da concessão pra privatização.”
Dados esses dois argumentos, coloquei alguns questionamentos: Primeiro, concessão tudo bem? Segundo, podemos parar de falar em privatização das telecomunicações, então, já que foi uma concessão? E, mais retoricamente, por que será que quem reclamava da “privatização” das teles não estudou direito administrativo antes? Acontece que meu amigo não acreditou que a concessão das telecomunicações o havia sido; “@gustavo tem data pra acabar? quando?”, disse ele.
Então expliquei pra ele que, sim, é uma concessão, e com data pra acabar! 2025. Em 2025 as concessões das teles para explorar o serviço de telefonia e inclusive os bens necessários para prestação do serviço, os chamados “bens reversíveis” voltam à União no final da concessão, o que permite ao Governo Federal, a partir daí tanto realizar uma nova concessão quanto voltar a operar o sistema, se achar que é o indicado.
Já falei desse assunto antes, então não vou entrar em detalhes aqui, mas acho interessante apontar que a banda larga não é uma concessão e que a lei criada no governo FHC permite ao Presidente da República colocar por decreto novos serviços de comunicação no que se chama de regime público, em que o serviço passa a ser um direito e o Estado tem obrigação de cuidar para que seja provido de forma universal, podendo licitar direitos e criar metas – prerrogativa que nem Lula nem Dilma usaram, deixando que o serviço fosse prestado no regime privado.
Mas voltando à discussão, meu amigo insistiu que no caso dos tucanos até concessão pode ser chamada de privatização porque eles sempre renovam. Aí eu o lembrei de uma coisa: em 2015 vencem diversos contratos de concessão relacionados a transmissão e distribuição de energia. Há quem acreditasse à época que, dado que não eram necessários mais grandes investimentos por parte das concessionárias – afinal essa parte do sistema elétrico está pronta, construída pelas concessões originais, seria uma boa oportunidade de reduzir os custos de tarifas e melhorar o serviço.
Disse que se o governo Dilma fosse responsável começaria a pensar numa licitação com antecedência, para criar concorrência similar à travada no caso dos aeroportos, chegando em 2015 com uma situação confortável. E lancei aí um desafio: caso Dilma realizasse uma renovação dessa concessão, seja de forma “automática” ou com licitação, poderíamos então chamá-la privatização, seguindo seu raciocínio?
Eis que Dilma aparece em rede nacional no dia 6 de setembro, no seu discurso oficial para o dia em que comemoramos nossa independência e anuncia uma redução da tarifa elétrica e eis que eu fico com uma baita pulga atrás da orelha. Como se daria essa tal redução? Algumas pessoas imaginaram que se tratava de uma devida correção de um erro de cálculo da ANEEL que fez com que o preço da eletricidade ficasse errado para milhões de consumidores, travestida de benesse para galgar popularidade.
Mas quando enfim se soube do que se tratava, pelo menos do meu ponto de vista, foi algo bem pior!
O Governo Federal decidiu renovar automaticamente, com antecipação de 3 anos e através de Medida Provisória, como de costume, as concessões existentes. Deixou de lado a prerrogativa de licitar e causou impressão de quebra de contrato. A redução tarifária inclui redução de encargos tributários, ou seja, subsidia com o dinheiro público a compra de energia, principalmente aquela usada pela indústria, que terá redução maior. Isso significa tirar dinheiro do imposto que todos pagam e privilegiar as indústrias.
Além disso, haverá uma indenização cujos valores serão conhecidos no dia primeiro de novembro. Até agora já se fala em até 47 bilhões. A incerteza gerada pelo anúncio também gerou uma queda de 15 bilhões no valor de mercado das diversas empresas de energia envolvidas nas concessões.
Enfim, acho que meu amigo vai ter que ceder e nos permitir taxar Dilma de privatista.
Leia Perguntas e respostas no site do Ministério de Minas e Energia para mais informações sobre o plano.
Atualização em 1 de outubro de 2014: o TCU vai tirar satisfações com o Ministério das Minas e Energias sobre a decisão de não fazer o leilão, que poderia ter reduzido os custos para o erário. O custo da canetada de 2012 para a Conta de Desenvolvimento Energético, só em 2013 e 2014, está estimado em 61 bilhões de reais.