Discussões sobre a Petrobrás
By Gustavo Noronha
Originalmente publicado no Trezentos.
Assim que a Petrobrás divulgou os resultados do ano calendário de 2012 houve um sem número de controvérsias a respeito. Eu participei de algumas discussões e fiquei animado pra escrever um post explicando de forma mais detida minhas opiniões. Vou tentar abordar cada um dos argumentos usados nas discussões de que participei.
Está tudo bem, compre Petrobrás!
Vou começar tratando de um post do Paulo Henrique Amorim. O teor do post pode ser dividido em 2 partes: a primeira parte é uma nota oficial da Petrobrás em que ela diz o seguinte:
Em 2012, o lucro líquido foi 36% inferior ao apurado em 2011, refletindo os efeitos da depreciação cambial, maior participação de derivados importados no volume de vendas e aumento das despesas operacionais com maiores baixas de poços secos e subcomerciais;
A segunda parte é um comentário feito pelo jornalista em que ele dá a entender que os jornais O Globo, Folha e Estadão deram um viés de má notícia em suas manchetes (que focam na queda de lucro recorde), enquanto a “publicação especializada” InfoMoney dá uma manchete que cita o valor auferido em lucros e indicando que o lucro superou as estimativas. Ele termina sugerindo ao leitor que compre ações da Petrobrás.
Eu considero esse post do Paulo Henrique Amorim uma tentativa pífia de dar um giro positivo numa notícia que não tem nada de positiva. O fato é que o lucro da Petrobrás caiu em 36% – mais que um terço! – em relação a 2011. As expectativas em relação ao lucro da Petrobrás estavam baixas por várias razões (algumas até listadas no texto da Petrobrás, acima) e o fato de o lucro ter superado essas expectativas não ajuda muito.
As expectativas em relação à saúde financeira da Petrobrás e ao nível de interferência política sofrida pela empresa não é coisa nova. A Petrobrás perdeu mais de 66% do seu valor de mercado desde 2008, como se pode ver no gráfico acima, obtido no Yahoo! Finance. Isso significa que alguém que comprou 100 reais em ações da Petrobrás em 2008 hoje não vende as mesmas ações por mais do que 34 reais. Faz sentido, então, recomendar a compra, como fez PHA? Antes, vamos tentar entender as razões por trás da queda.
E por que essa perda gigantesca?
As intervenções do governo e as mágicas fiscais
Em 2010 a Petrobrás fez o que o ex-presidente Lula chamou (com razão) de a maior capitalização da história do capitalismo mundial. O que foi isso? A Petrobrás precisava de dinheiro em caixa pra fazer investimentos na extração do pré-sal. Para conseguir esse dinheiro, a Petrobrás aumentou o número de ações que a compõe e as ofereceu na bolsa. Trabalhadores brasileiros puderam usar o dinheiro do FGTS para adquirir ações – e muitos fizeram isso!
Como parte do processo a União fez o que se chamou de cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo que se encontravam em lotes do pré-sal. O petróleo que está em território brasileiro é do Estado brasileiro, para que seja extraído de lá e usado comercialmente, a União faz leilões de concessão. Na capitalização a União concedeu, com antecedência, à Petrobrás os direitos sobre esses 5 bilhões de barris e ganhou, em troca, R$ 74,8 bilhões. Desses, R$ 42,9 bilhões foram usados para compra de ações da capitalização da Petrobrás, aumentando a participação da União na empresa. Note que até hoje esses barris estão lá embaixo da terra. O que foi feito foi uma transação sobre direitos futuros.
Com que propósito isso foi feito? Em primeiro lugar para viabilizar a capitalização, claro, mas em segundo lugar, esses bilhões foram usados para fazer o superávit primário de 2010. Esse é um dos exemplos de como o governo tem usado a Petrobrás politicamente, para fingir que cumpre as metas que define para si mesmo. Esse foi um dos fatores que levaram as ações da Petrobrás a continuarem em queda, mesmo depois de ter feito a maior capitalização da história. Vamos falar de outra: o subsídio à gasolina.
O subsídio à gasolina
Outra das razões para a queda do valor de mercado está na nota da Petrobrás citada acima: “maior participação de derivados importados no volume de vendas”. Em 2006, ano eleitoral, Lula foi a um campo de exploração de petróleo da Petrobrás pintar as mãos de preto e anunciar a nossa auto-suficiência em petróleo. Os mais atentos também devem se lembrar de como Lula fazia discursos ufanistas quando falava do etanol brasileiro, de como era o mais eficiente do mundo e coisa e tal.
Acontece que demanda por combustíveis aumentou consideravelmente desde então, em parte impulsionada pelo subsídio dado pelo governo para venda de automóveis, através da redução do IPI, e o setor produtivo brasileiro simplesmente não teve condições de atender à demanda. Resultado: milhões e milhões de barris importados tanto de etanol quanto de gasolina. A auto-suficiência durou bem pouco.
Por si só, o fato de termos que importar etanol e gasolina não seria tão problemático. Acontece que o governo, através da Petrobrás, adotou uma postura de não repassar ao preço local da gasolina os ajustes sofridos pelo preço do petróleo no mercado internacional. Essa postura funcionava quando a auto-suficiência em petróleo era um fato, mas a partir do momento em que nós começamos a importar, a Petrobrás estava pagando muito mais pela gasolina que comprava do que cobrava pela gasolina que vendia, o que levou a uma situação inusitada: quanto mais gasolina vende, mais a Petrobrás perde dinheiro! Como pode ser visto no post linkado, calcula-se que depois do reajuste da gasolina dado no começo de 2013 a Petrobrás está perdendo 1,2 bilhões de reais por mês. Essa é nossa situação atual.
Mas o subsídio à gasolina é do interesse nacional!
Assumindo que faça sentido a Petrobrás destruir sua saúde financeira para estabelecer um subsídio de interesse do país (falo disso mais adiante), resta somente a questão de se é interesse do país o subsídio à gasolina. Será que é? Eu acho difícil decidir sobre uma coisa complexa dessas assim de supetão; Uma das questões que servem como base pra essa é se é do interesse do país o subsídio ao IPI, dado anteriormente, e que levou à alta da demanda.
A redução de IPI para automóveis foi uma medida adotada pelo governo para aquecer a economia e impedir que a crise de 2008 nos atinge com mais força, reduzindo o emprego e a renda. É louvável essa tentativa, mas por que a indústria automobilística? Uma das razões é possivelmente que essa é uma indústria que emprega muito e que tradicionalmente trabalhou com o governo para evitar reduções de postos de trabalho. OK, até aqui tudo bem. Mas será que não existem diversas outras indústrias que poderiam absorver os trabalhadores que perdessem o emprego nas montadoras? Quem dirá os serviços e indústrias de suporte que certamente surgiriam em volta de grandes empreendimentos em mobilidade urbana?
Além de pensar sobre isso, temos que pensar também nos outros resultados que advem de uma política dessas. Uma delas é óbvia: a quantidade de carros nas cidades aumentou vertiginosamente, aumentando a poluição e os engarrafamentos. Essas são o que a economia chama de externalidades negativas. Imagine se ao invés de incentivar a compra de carros o governo federal tivesse iniciado investimentos consistentes em obras de mobilidade urbana em todo o território brasileiro. Canteiros de obra para metrôs, BRTs, trens poderiam não só absorver os trabalhadores que eventualmente fossem demitidos nas montadoras, mas gerariam uma externalidade positiva significativa. Melhoria na qualidade de vida das pessoas.
Do meu ponto de vista, o incentivo à compra de carros foi um erro. Mas suponhamos que tenha sido uma boa ideia. Voltemos à questão do subsídio à gasolina: o subsídio vem da Petrobrás, que é uma empresa de capital misto, o que significa que parte dela é do Estado brasileiro, parte de entes privados e indivíduos. Por isso mesmo, parte do dinheiro investido nesse subsídio é público. Ou seja, é dinheiro da pessoa pobre que recebe Bolsa Família, meu e seu.
Faz sentido usar esse dinheiro para beneficiar quem usa carros a gasolina? Eu consigo ver o benefício pra mim, que tenho carro e uso gasolina, mas que benefício à sociedade esse subsídio dá, que justifique usar dinheiro da pessoa pobre que recebe Bolsa Família pra me ajudar? Os argumentos que eu ouvi são de que um aumento na gasolina acarreta aumento de custo e portanto um aumento de preços em cascata no resto da cadeia produtiva. Será? Caminhões e ônibus usam diesel, por exemplo, então não vejo como o custo de transporte de cargas e passageiros seria afetado. Quem tiver alguma ideia, poste aí nos comentários.
A Petrobrás é uma empresa estatal/pública e portanto tem o dever de proteger os interesses nacionais!
Eu argumentei antes que o subsídio à gasolina não é necessariamente do interesse nacional. Acho o mesmo quando se trata de usar mágica contábil… mas vamos supor que fossem interesses nacionais. A Petrobrás tem o dever de protegê-los? Gostaria de voltar à questão da capitalização. Os mais atentos lembrarão que a Petrobrás é uma empresa de capital misto, ou seja, a União é um dos acionistas, mas há outros. Quem são esses outros? Grandes capitalistas que especulam na bolsa? Certamente há. Mas os mais atentos lembrarão que também há inúmeros trabalhadores, que usaram seu rico dinheirinho do FGTS para comprar ações da capitalização. São mais de 70 mil trabalhadores que tem mais de 2 bilhões aplicados na oferta original em 2000 ou na capitalização de 2010. Sem contar investidores individuais, que podemos ser eu e você. Quem comprou 100 reais em ações em 2010 hoje vende por 70. E não há sinal de que a trajetória de queda vai mudar.
É justo a Petrobrás tocar o foda-se para União, trabalhadores e outros acionistas e perseguir o que alguém tirou do Cadastro Único ser do interesse nacional? Eu diria que não. Se for o caso, e acho que, como qualquer outra política pública, o mérito dessa tem sim que ser avaliado, o ideal é fechar o capital da empresa, ou seja, tirá-la da bolsa de valores e trazer o orçamento da empresa pra dentro do orçamento geral da União. Por quê? Porque se vamos usar dinheiro público para fazer subsídio de interesse nacional é essencial que fique claro e transparente para todos que esse subsídio é feito ao invés de outros investimentos. O dinheiro que iria para subsidiar a gasolina poderia talvez ser melhor gasto na educação, por que não?
Conclusão
Respondendo à pergunta original: e aí, faz sentido recomendar a compra de Petrobrás? Do jeito que a coisa está hoje, não acho que faça sentido. É necessário que a empresa e o governo demonstrem que a Petrobrás será gerida como uma empresa séria de novo antes que seja possível confiar nela. Mas eu sou otimista e acho que a Graça Foster foi colocada lá com essa condição: de que ela poderia colocar a empresa nos trilhos. O aumento da gasolina do começo de 2013, apesar de não acabar com a defasagem do preço, é um passo na direção certa. Se você acredita que as intervenções políticas vão acabar e que a empresa vai parar de tomar decisões estúpidas como a de subsidiar a gasolina, compre. Se não acha, não faz sentido comprar.
Atualização (3 de março de 2013)
Só no primeiro bimestre de 2013 o valor de mercado da Petrobrás caiu mais do que em todo o ano de 2012. O aumento insuficiente para corrigir a distorção do preço da gasolina é uma provável explicação.
Atualização (23 de abril de 2015)
A Petrobrás estima que o custo da política de subsidiar combustível de 2010 a 2014 tenha sido de 80 bilhões de reais. Já pensou isso investido em metrôs?
Depois de ter caído em valor de mercado para o que valia uma década atrás, ser o centro de um escândalo de corrupção gigantesco que a impediu até de reportar um balanço auditado, a Petrobrás agora registra seu primeiro prejuízo anual desde 1991: 21 bilhões!