Afinal, qual a influência da Presidente na escolha dos Ministros?
By Gustavo Noronha
Publicado originalmente no Observador Político
Um assunto que tem povoado minha mente há já muitos anos é o de até que ponto o Presidente da República é capaz de dar ao seu governo de fato a cara que deseja. A formação da base de sustentação no Congresso, juntamente com a formação do Ministério e da equipe técnica que tratará da operação de estatais e autarquias são certamente fatores preponderantes na capacidade que o governante terá de fazê-lo. Além disso, a imagem do governante fica relacionada a essas escolhas. O grande Maquiavel dizia no seu O Príncipe no capítulo XXII, que trata da escolha dos Ministros, que:
… a primeira suposição que se faz da inteligência de um senhor baseia-se na observação dos homens que ele tem ao seu redor. Quando capazes e leais, pode-se sempre julgar o príncipe sábio porque este soube reconhecer sua capacidade e manter sua lealdade. Quando, porém são o contrário, pode-se sempre fazer um mau juízo do príncipe, pois o primeiro erro que comete, comete-o nessa escolha.
Poderia-se dizer que na política brasileira a questão não é tão simples assim: a necessidade de maiorias no Congresso e o jogo democrático fazem com que o Presidente tenha que fazer algumas concessões na escolha dos Ministros. Alguns costumam falar em cotas: o Presidente reserva para si um número de Ministérios que considera essenciais para o cumprimento da sua agenda e divide entre os partidos aliados (incluindo seu próprio) as outras posições de poder. Mas será que essa complexidade é suficiente para desculpar o Presidente por escolhas mal-feitas?
Dois textos me marcaram muito enquanto refletia sobre essa pergunta. O primeiro foi a descrição minuciosa da formação do seu Ministério feita pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso no seu livro A Arte da Política: a história que vivi. Há um sem-número de exemplos interessantes de como ele decidiu quem seria o núcleo duro, suas prioridades e as negociações para Ministérios mais periféricos do ponto de vista da agenda do plano de governo. E há constantemente a repetição de uma ideia: de que o mais importante é ter um rumo, um projeto, uma agenda de transformações sobre a qual a negociação se deve dar. Sobre os sapos que se precisa engolir, FHC tem o seguinte a dizer:
Às vezes não se consegue nomear a pessoa desejada para o cargo. Paciência, busca-se outra. Ou então a pressão política leva à nomeação de alguém para um cargo que estaria mais bem servido se fosse preenchido por livre escolha do Presidente. O que se vai fazer? São injunções normais da vida política, que só se tornam graves quando se perde a capacidade de definir o rumo principal. Inversamente, nem sempre a indicação partidária, só por isso, é ruim. Existem bons quadros nos partidos e o Presidente sempre (ou quase sempre) pode influenciar as escolhas visando melhorá-las e ajustá-las aos propósitos fundamentais do governo. E há dirigentes partidários com espírito público que cuidam de preservar os interesses da administração quando fazem suas indicações. (pp. 265)
No livro há alguns exemplos de casos em que o Presidente manobrou para levar a uma escolha que lhe parecia boa e que mesmo assim desse aos dirigentes do partido aliado a sensação de demanda atendida. A capacidade de transformar indicações partidárias em escolhas da cota pessoal parece essencial para a formação de um Ministério que atenda aos anseios do projeto de governo. A conclusão do ex-Presidente sobre a capacidade do ocupante do cargo de formar um Ministério que lhe agrade é a seguinte:
No fundo, com poucas exceções, mesmo quando as escolhas foram ou apareceram como sendo partidárias, orientei a maior parte delas e tomei decisões segundo meus critérios. A leitura das negociações políticas feita pela opinião pública, que em grande medida é a opinião publicada pela mídia, freqüentemente exagera as pressões e os “sapos” que o Presidente tem de engolir. Assim como exagera as “barganhas” de todo tipo a que são reduzidas as negociações políticas. A verdade é que, pelo menos inicialmente, se erros há (e naturalmente acertos também), eles se devem mais ao julgamento do Presidente (e talvez ao de seus próximos) do que a capitulações e pressões insuportáveis. (pp. 270)
O segundo texto que me marcou bastante foi um post no blog Politicando, do grande Fabrício Vasselai (a leitura do qual recomendo fortemente, diga-se de passagem!). Fabrício diz o seguinte:
De que importa sabermos quem ocupará o Ministério da Fazendo ou o Banco Central se não soubermos o que Dilma está propondo e esperando dessas pessoas nesses cargos? Fazer análise e buscar informações sobre qual “sinal” será passado pelas escolhas da nova equipe ministerial é muito pouco. E muito inocente, inclusive, se alguém realmente acha que necessariamente um político faz aquilo que seu perfil indicaria. (Fofocas sobre nomes para os ministérios de Dilma deixam de fora o essencial)
É uma opinião interessante, que de certa forma reforça a ideia passada por FHC no seu livro, de que o mais importante é ter um projeto, ideias que indiquem o rumo em que o Presidente quer levar o barco, sob pena de o voluntarismo dos Ministros indicados por necessidade de alianças políticas descaracterizar o governo como um todo em algumas áreas. Num comentário Fabrício indica que Dilma estava fazendo um trabalho bastante bom de focar nas propostas ao invés de em nomes, melhor até do que Lula e FHC fizeram:
… estou de acordo e satisfeito de ver que Dilma está até aqui discutindo mais conceitos do que nomes. Dando aliás um banho, nesse quesito, tanto em Lula como em FHC. ([Comentário de Fabrício Vasselai no post “Fofocas sobre nomes para os ministérios de Dilma deixam de fora o essencial”][2])
Por um lado essa ideia me atrai: desse ponto de vista não é porque Lula escolheu Hélio Costa para Ministro das Comunicações que as políticas da área vão ser retrógradas e beneficiadoras das grandes empresas de mídia, Rede Globo em particular.
Vamos dar uma olhada em um caso concreto?
Por outro lado, pensar nessa questão sob esse prisma me deixa um pouco mais triste com nossa atual Presidente. A política progressista na área de Direitos Autorais empreendida no Ministério da Cultura do governo Lula, por exemplo, foi não só deixada completamente de lado, como também denunciada e estigmatizada pela Ministra escolhida por Dilma. Considerando que a escolha da Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, não parece ter sido relacionada a pressão de nenhum partido da base aliada, sou obrigado a colocá-la na cota pessoal da Presidente. Considerando que as políticas seguidas pelos Ministros, em especial aqueles que compõe sua cota pessoal, são alinhadas com as diretrizes estabelecidas pela Presidente, só posso concluir que é para esse rumo que a Presidente quer seguir.
Mas não era essa a impressão que muitos defensores de uma política de direitos autorais mais avançada esperavam. Quando Dilma falou para um público mais progressista durante essa [coletiva de imprensa na Campus Party em 29/01/10][3], por exemplo, não foi essa a opinião que ela expressou. Dilma não acha mais que a proposta de reforma da Lei de Direito Autoral seja importante, a “mais avançada do mundo”, que o “outro conceito de propriedade” valha à pena? O que aconteceu? Por que os petistas relacionados à cultura livre continuam [defendendo Dilma e apontando somente para Ana de Hollanda][4], mesmo sendo Dilma a responsável última pela guinada?
Dilma disse o que disse naquela coletiva só para ganhar votos e sempre acreditou que a reforma da LDA que estava sendo proposta era ruim? Considerando que Dilma ainda acredita no que disse na coletiva: os autores dos textos estão enganados e a influência do Presidente na direção dos Ministérios é mais limitada do que eles indicam, ou Dilma tem sido omissa em dar direção aos seus Ministros?
O que você acha?
[2]: http://politicando.blog.br/?p=1270#comment-1480 “Comentário de Fabrício Vasselai no post “Fofocas sobre nomes para os ministérios de Dilma deixam de fora o essencial”” [3]: http://www.youtube.com/watch?v=fR5YltB3vR4 [4]: http://mariafro.com.br/wordpress/2011/03/05/dilma-na-campus-party-2010-fala-de-direito-autoral-na-rede-e-marco-civil/ “Dilma na Campus Party 2010 fala de Direito Autoral na rede e marco civil”